Certas
atitudes que as pessoas tem e que muitas vezes eu tento imaginar
sejam motivadas por algum desequilíbrio hormonal ou por alguma
psicopatia que aflora de repente, ou não tão de repente, desperta aquele tão antigo desejo de sentar e
chorar, ou matar.
Meu pai, que apesar dos incontáveis defeitos era a melhor
pessoa que conheci, dizia que para que um casal começasse a pensar
que conhecia um ao outro deveria juntos comer, pelo menos, um quilo
de sal.
Quando ouvi isso pela primeira vez não entendi, afinal, era
apenas uma criança, mas depois a medida que crescia aquela máxima
de vez em quando aparecia e a na mesma proporção em que eu me
tornava maior (ou apenas mais velho a partir de um certo ponto) a
interpretação para aquela ideia mudava refletindo as mudanças que
aconteciam em mim e na minha forma de encarar a vida.
A princípio
era apenas o absurdo de comer meio quilo de sal, depois a
incredulidade de que o homem, herói, onipresente e onipotente, detentor de todas as glórias que um adolescente pudesse conferir a
um ser ainda vivo, fosse capaz de proclamar tamanha bobagem, afinal,
eu na minha infinita sabedoria juvenil, ainda quase infantil achava
que poderia conhecer profundamente qualquer pessoa em quinze minutos;
depois veio a descrença, causada por tantas e tantas frustrações,
de que nem mesmo depois uma tonelada de sal compartilhado, seria possível
ter uma ideia de como funciona a mente e o coração de outra pessoa.
No entanto os dias seguem sempre naquele ritmo mais curador que
qualquer elixir, tempestuosos ou nem tanto, silenciosos ou nem tanto
e aos poucos a ingenuidade toma seu lugar nos fundos da sala, a
rebeldia e a imprudência são relativamente domadas, as mágoas e as
revoltas são curadas e na medida exata em que crescemos vemos nossas
feridas fechando, fechando, deixando marcas menores ou maiores e
também na medida em que conhecemos a nós mesmos entendemos o quanto
é difícil não apenas conhecer ao outro, mas também o quanto é
trabalhoso conhecer a si mesmo e talvez até muito mais complicado é
o deixar-se conhecer.
Talvez na
época do meu pai um quilo de sal fosse o suficiente para que um
casal (ou qualquer grupo de pessoas que compartilham o mesmo espaço
seja ou não por vontade) começasse a imaginar que conhecia
um pouco um do outro, talvez na época do meu pai o egoísmo fosse
algo evidente, mas contra o qual as pessoas ainda brigavam, hoje em
dia não existe mais qualquer constrangimento em declarar-se egoísta,
parecem até esperar que você leve em conta esse defeito como coisa
natural, quase como se a degradação tivesse chegado ao ponto em que
fosse possível sentir prazer nisso, é quase como se
vivêssemos na era dos universos pessoais, onde nada mais importa
além do “eu”.
Para quem
ainda consegue olhar para o ser humano com algum otimismo, essa fase
pode ser apenas uma fase, para aqueles que não nasceram com o mesmo
dom, tudo pode sugerir que estamos muito adiantados no processo de extinguir aquilo que traz humanidades às pessoas.
Ou talvez a saudade que sinto do meu pai nem seja apenas dele, mas da época
em que o ser humano ainda parecia humano, onde uma pessoa ser como
ele era não causava estranheza.
Uma época de homens de verdade,
pessoas de verdade, uma época em que talvez um quilo de sal fosse
suficiente.
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