terça-feira, 19 de maio de 2015

Certas atitudes que as pessoas tem e que muitas vezes eu tento imaginar sejam motivadas por algum desequilíbrio hormonal ou por alguma psicopatia que aflora de repente, ou não tão de repente, desperta aquele tão antigo desejo de sentar e chorar, ou matar.
Meu pai, que apesar dos incontáveis defeitos era a melhor pessoa que conheci, dizia que para que um casal começasse a pensar que conhecia um ao outro deveria juntos comer, pelo menos, um quilo de sal.
Quando ouvi isso pela primeira vez não entendi, afinal, era apenas uma criança, mas depois a medida que crescia aquela máxima de vez em quando aparecia e a na mesma proporção em que eu me tornava maior (ou apenas mais velho a partir de um certo ponto) a interpretação para aquela ideia mudava refletindo as mudanças que aconteciam em mim e na minha forma de encarar a vida. 
A princípio era apenas o absurdo de comer meio quilo de sal, depois a incredulidade de que o homem, herói, onipresente e onipotente, detentor de todas as glórias que um adolescente pudesse conferir a um ser ainda vivo, fosse capaz de proclamar tamanha bobagem, afinal, eu na minha infinita sabedoria juvenil, ainda quase infantil achava que poderia conhecer profundamente qualquer pessoa em quinze minutos; depois veio a descrença, causada por tantas e tantas frustrações, de que nem mesmo depois uma tonelada de sal compartilhado, seria possível ter uma ideia de como funciona a mente e o coração de outra pessoa.
No entanto os dias seguem sempre naquele ritmo mais curador que qualquer elixir, tempestuosos ou nem tanto, silenciosos ou nem tanto e aos poucos a ingenuidade toma seu lugar nos fundos da sala, a rebeldia e a imprudência são relativamente domadas, as mágoas e as revoltas são curadas e na medida exata em que crescemos vemos nossas feridas fechando, fechando, deixando marcas menores ou maiores e também na medida em que conhecemos a nós mesmos entendemos o quanto é difícil não apenas conhecer ao outro, mas também o quanto é trabalhoso conhecer a si mesmo e talvez até muito mais complicado é o deixar-se conhecer.
Talvez na época do meu pai um quilo de sal fosse o suficiente para que um casal (ou qualquer grupo de pessoas que compartilham o mesmo espaço seja ou não por vontade) começasse a imaginar que conhecia um pouco um do outro, talvez na época do meu pai o egoísmo fosse algo evidente, mas contra o qual as pessoas ainda brigavam, hoje em dia não existe mais qualquer constrangimento em declarar-se egoísta, parecem até esperar que você leve em conta esse defeito como coisa natural, quase como se a degradação tivesse chegado ao ponto em que fosse possível sentir prazer nisso, é quase como se vivêssemos na era dos universos pessoais, onde nada mais importa além do “eu”.
Para quem ainda consegue olhar para o ser humano com algum otimismo, essa fase pode ser apenas uma fase, para aqueles que não nasceram com o mesmo dom, tudo pode sugerir que estamos muito adiantados no processo de extinguir aquilo que traz humanidades às pessoas.

Ou talvez a saudade que sinto do meu pai nem seja apenas dele, mas da época em que o ser humano ainda parecia humano, onde uma pessoa ser como ele era não causava estranheza.
Uma época de homens de verdade, pessoas de verdade, uma época em que talvez um quilo de sal fosse suficiente.

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